22 de novembro de 2024
Maristela
Zamoner
Os
borboletários são espaços sob cuidados humanos com as melhores condições para o
desenvolvimento completo do ciclo de vida das borboletas e das mariposas. Neles,
todas as necessidades destes insetos são atendidas de modo a alcançar a
sustentação saudável de sucessivas das suas gerações sob proteção humana. Por
isso, podemos entender os borboletários como estratégias de conservação ex
situ da biodiversidade de lepidópteros. E desde quando existem
borboletários?
O
primeiro borboletário do mundo teria sido criado em 1976, no Canal da Mancha,
em Guernsey, por David Lowe. Desde então, muitos outros foram inaugurados, aprofundando
conhecimentos e técnicas para o manejo de lepidópteros. O Brasil não ficou de
fora desta história. Entretanto, resgatar a trajetória dos borboletários no
país é um desafio.
A
consulta aos jornais publicados no passado é uma das táticas mais poderosas de
investigação histórica. Como qualquer outra metodologia historiográfica, tem
suas falhas, mas o seu caráter documental sobrevive a elas. Nesta senda, nossas
tentativas de resgatar a história dos borboletários no Brasil não poderiam deixar
de recorrer à leitura cuidadosa de periódicos brasileiros publicados em tempos
passados. Então, caríssimo leitor, se você aprecia borboletários e tem alguma
curiosidade histórica, tenho certeza de que vai se encantar com o que trazemos
aqui.
No
dia 19 de janeiro de 1991, o Jornal do Commercio publica, em sua página 11, o
artigo intitulado “O alarme das Borboletas”. No texto é citado o pesquisador
Roberto Tinoco, que se dedicava desde 1988 ao que foi chamado de “Projeto
Papilio”. A empreitada previa a reinserção de borboletas nos parques de São
Paulo. Conta-se ali, que o pesquisador:
...concretizou uma iniciativa pioneira: a criação do
borboletário, complexo destinado a acompanhar de perto os hábitos alimentares e
de reprodução desses insetos”.
(...)
“O Alarme Ecológico das Borboletas”, matéria publicada
pelo pesquisador na revista Superinteressante, desencadeou a ideia básica do
Papilio.
Procurando mais um pouco, realmente constatamos uma
matéria de Roberto Muylaert Tinoco na Revista Superinteressante, datada do ano
anterior, 30 de setembro de 1987. Sob o título “O alarme soa quando somem as
borboletas”, entre outras questões, o autor discorreu sobre a redução ambiental
da planta Aristolochia macroura, hoje denominada Aristolochia
trilobata. A pauta tratava das consequências dessa redução sobre as
populações da borboleta Parides ascanius, habitante do litoral do Rio de
Janeiro. Ocorre que planta é o alimento dos imaturos da borboleta, portanto,
sem ela no ambiente, as populações da borboleta desaparecem. Ao final, registra
que esta borboleta vem sendo cultivada por Herbert Miers, de Joinville, em
Santa Catarina, pela manutenção de suas lagartas com a finalidade de obter
adultos para fins de exportação.
Herbert Miers já teria um borboletário antes da publicação
deste texto? Não sabemos. Mas, aparentemente, ele tinha por atividade preferida
a coleta, o sacrifício e a venda de borboletas para colecionadores e artesãos.
Conforme o texto, é possível pensar que Herbert não apreciava criar borboletas.
Afinal, consta no artigo, sobre os cuidados com lagartas que teria dito:
Isso só
faz sujeira, não é eficiente.
Então,
reconhecemos a publicação do dia 19 de janeiro de 1991, no Jornal do Commercio,
como uma fonte documental contendo um longo texto de registro da existência de
um borboletário criado e mantido por Roberto Tinoco em São Paulo desde o ano de
1988:
Data: outubro de 1988. (...) Tinoco se retirou à Chácara
Tangará, uma extensa área verde do bairro Morumbi (SP), onde construiu o
borboletário – viveiro gigante de 150m2 acoplado a salas especiais
de criação e pesquisa. Numa etapa preliminar, Tinoco catalogou todas as
espécies existentes no local e também seus meios de reprodução.
A
descoberta de que cada espécie de borboleta liga-se umbilicalmente a um
determinado tipo de vegetação permitiu ao pesquisador tirar suas primeiras
conclusões. “A ausência destes insetos na metrópole decorre da quebra de uma
cadeia alimentar vital que se inicia no nível do solo e da vegetação rasteira”.
Já
nesta época, Tinoco falava da ideia de projetar jardins urbanos que atendessem
às necessidades reprodutivas das borboletas. Falava que a substituição de ervas
por grama prejudicava borboletas e toda uma cadeia de seres vivos que incluía
pássaros e pequenos predadores.
Segundo
a reportagem, o pesquisador mantinha 26 espécies de borboletas se reproduzindo
em seu viveiro, vindas da criação conduzida em um laboratório envidraçado,
climatizado, que protegia as lagartas contra vespas, formigas, moscas,
besouros, aves, vírus e outros parasitas estudados pelo cientista. Nem mesmo o
controle biológico escapou de sua atenção, pois alguns dos “inimigos naturais”
são citados por ele como potenciais para uso no controle de insetos que
prejudicam culturas humanas.
Seus
planos futuros incluíam a criação da maior quantidade possível de espécies na
área do seu laboratório, e a transferência das experiências adquiridas para
quem desejasse, a fim de repetir a operação em âmbito macro. Também
planejava a edificação de um borboletário ainda maior, de 400m2,
todo climatizado, e a formalização de uma fundação sem fins lucrativos.
Roberto
Muylaert Tinoco, professor da ESALQ, recebeu o PRÊMIO JOSÉ REIS DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA em 1988, pela publicação de uma coleção de livros paradidáticos
sobre diferentes grupos da biodiversidade, sendo um deles intitulado Borboleta
monarca.
Teria realmente sido o primeiro borboletário do Brasil?
Difícil afirmar. É possível que iniciativas anteriores tenham sido conduzidas
sem qualquer documentação. Quem sabe borboletários ainda mais antigos venham a
figurar nesta passarela do tempo que desenhamos aqui. Isso, se houver resgate
de novas fontes documentais capazes de descortinar fatos históricos que agora,
estão perdidos. E sim, o conhecimento da nossa história sofre perdas, você
perceberá isso nos próximos parágrafos.
Veja
que interessante. Somente dois anos após a publicação destes textos que
documentaram tão bem a existência de um borboletário completo em São Paulo, no
ano de 1988, os jornais noticiam algo que é um excelente exemplo de como é
fácil perder a história.
No
ano de 1993, o Jornal do Brasil publica que no Bosque da Barra, no Rio de
Janeiro, haveria o “primeiro” borboletário do Brasil, no que seria o maior
parque urbano do país, o Parque Municipal Ecológico de Marapendi.
Notícias
subsequentes informaram que o borboletário teria 4.000m2, abrigaria
20 espécies, e estaria sob a coordenação técnica do professor do Museu Nacional
da UFRJ, Luiz Soledade Otero, reconhecidamente um dos maiores especialistas
latino-americanos em borboletas.
Entre as espécies citadas como alvo do empreendimento
estavam Morpho achilles, Eurytides iphitas e Parides ascanius,
esta última, novamente foi citada como espécie que estaria desaparecendo
com a destruição de sua planta hospedeira, Aristolochia macroura. Planejava-se
ainda plantar todas as espécies de maracujás que existiam no país. Outro
objetivo seria construir um centro irradiador de educação ambiental.
O
borboletário se chamaria “Ferreira de Almeida”, uma homenagem a Romualdo Ferreira de Almeida,
um carteiro do Alto da Boa Vista, apaixonado pelas borboletas do gênero Morpho.
Hoje o chamaríamos de cientista cidadão, um pesquisador que não era
profissional, mas havia sido reconhecido por pesquisadores do Museu Nacional
que recebiam remuneração por suas atividades.
Quem
investiria para viabilizar a construção deste borboletário do Brasil seria a
empresa Nortox. Ainda hoje a empresa denominada Nortox divulga em seu histórico
que iniciou atividades em 1954, produzindo controladores de insetos, e se
posicionando como parceira do agricultor brasileiro na produção de alimentos.
Não sabemos exatamente como a história deste borboletário
no Bosque da Barra transcorreu. Mas em 26 de setembro de 1997 ainda era
possível ler anúncios da Fundação Rio-Zoo divulgando editais para licitação
desta construção. Tais notícias sumiram no tempo, sem que incluíssem fatos
sobre uma inauguração ou algum tipo de funcionamento deste borboletário. Mas o
leitor poderá aprofundar um pouco mais sobre a continuidade deste histórico lendo
o capítulo de Fernando
Campos que traremos no livro "Borboletários do Brasil", que publicaremos em breve com a participação de 25 autores.
O
fato é que os anos passaram e outros borboletários se realizaram efetivamente,
nos mais variados estados brasileiros.
E
foi por volta do ano de 2010 que nos desafiamos, Deni Lineu Schwartz Filho e
eu, a visitar todos os borboletários do Brasil. Ainda não conseguimos realizar
este plano. Talvez nunca consigamos. Felizmente, porque hoje existem mais
borboletários no país do que existiam em 2010, e mais deles seguem sendo
inaugurados. O que realmente importa em tudo isso, é a caminhada pela qual conhecemos
pessoas maravilhosas e iniciativas fascinantes que, literalmente, fazem a história.
Hoje,
depois de tantas leituras, viagens, visitas técnicas e amizades descobertas,
percebemos que não havia nenhum livro reunindo informações sobre os
borboletários do Brasil. E conversando com gestores, responsáveis técnicos e
tantas outras pessoas que dedicam suas vidas aos borboletários no Brasil,
percebemos que chegara o momento de iniciar encontros, trocas de experiências e,
entre outras empreitadas, publicações. Pois aqui chegamos.
Esperamos
que o livro Borboletários do Brasil preencha uma lacuna nesta área do
conhecimento, que marque o início de uma jornada conjunta em favor da efetiva conservação
ex situ das nossas preciosas borboletas.
Saiba mais:
https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=170054_02&pesq=borbolet%C3%A1rio&pasta=ano%20199&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=42768
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