domingo, 3 de setembro de 2023

ESCLARECIMENTO SOBRE A PROTEÇÃO LEGAL DAS PUBLICAÇÕES DE REGISTROS DE BIODIVERSIDADE FEITAS POR BRASILEIROS NA PLATAFORMAM INATURALIST

ESCLARECIMENTO SOBRE A PROTEÇÃO LEGAL DAS PUBLICAÇÕES DE REGISTROS DE BIODIVERSIDADE FEITAS POR BRASILEIROS NA PLATAFORMAM INATURALIST

 

Bióloga Maristela Zamoner

31 de agosto de 2023

 

Atualmente, inaturalist.org, iniciativa da tradicional instituição científica Academia de Ciências da Califórnia, é a maior plataforma mundial de ciência cidadã para publicações de registros de observações de biodiversidade, destacadamente em vida e nos seus ambientes. Cada uma das publicações de registros de observações de biodiversidade ali feitas, é composta pelos conteúdos que seguem:

 

1.             AUTOR(A): SINAL CONVENCIONAL LINCADO OU NÃO AO NOME COMPLETO;

2.             DATA DA PUBLICAÇÃO;

3.             FOTOGRAFIA(S) do autor obtida(s) por ele em atividade de campo, testemunho visual da presença da espécie de biodiversidade, da qual fazem parte indissociavelmente seus dados (metadados) que abrangem o local e a data (podem incluir arquivos de sons e vídeos, mas no caso em tela abrangem fotografias);

4.             CARTA GEOGRÁFICA (MAPA) com marcação do local do registro da observação, gerada pelos dados produzidos em campo por seu autor;

5.             IDENTIFICAÇÃO TAXONÔMICA do espécime registrado, proposta pelo autor com ou sem aceite de revisão e aprimoramento dos pares via plataforma (Táxon comunitário). Inclui área de atividade da comunidade, local destinado à participação de qualquer interessado na CURADORIA aberta, por meio das discussões sobre as identificações da espécie. Este campo é arbitrado pelo autor que tem ferramental para aceitar ou rejeitar participações da comunidade na sua publicação, assegurando a autonomia sobre a curadoria do seu acervo e de sua base de dados;

6.             TEXTOS abrangendo os conteúdos produzidos pelo autor, incluindo; dados de georreferenciamento (coordenadas geográficas numéricas, grau de precisão em metros, nome do local quando há, município, estado e país); locais do entorno; data e horário da realização do registro da observação; tipo de equipamento utilizado pelo autor para realizar o registro da observação; reconhecimento como vida selvagem ou não; notas, marcações, campos de observação e anotações quando necessário (estágio de vida, sexo etc.), projetos para os quais a inclusão da publicação é autorizada pelo autor e, entre outros, título original e inconfundível que a plataforma de publicação, inaturalist.org, orienta que seja a URL;

7.             LICENÇA DE USO (COPYRIGHT ou CREATIVE COMMONS) DA FOTOGRAFIA, definida pelo autor, titular originário;

8.             LICENÇA DE USO (COPYRIGHT ou CREATIVE COMMONS) dos demais conteúdos da publicação do registro da observação, definida pelo autor, titular originário.

Exemplo: https://www.inaturalist.org/observations/18393601

 

 


 

NO BRASIL: PROTEÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS DOS AUTORES BRASILEIROS DAS PUBLICAÇÕES DE REGISTROS DE BIODIVERSIDADE NO INATURALIST

 

Lembramos inicialmente que a violação dos direitos autorais e os que lhes são conexos no Brasil, estabelecidos pela Lei Federal no. 9.610/98, está tipificada no Código Penal:

TÍTULO III DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL

CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:             

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa 

 

No Brasil os direitos autorais foram estabelecidos a partir da convenção de Berna da qual nosso país é signatário, sendo abarcados pela Lei Federal no. 9.610/98, que abrange brasileiros. Esta lei define o que é uma obra intelectual estabelecendo suas formas de proteção:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

VIII - obra:

f) originária - a criação primígena;

...

XIV - titular originário - o autor de obra intelectual, o intérprete, o executante, o produtor fonográfico e as empresas de radiodifusão. 

...

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

...

VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

...

IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

...

XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

 

Portanto, resta claro que as publicações de registros de observações de espécies no iNaturalist, perante a legislação que abrange brasileiros, SÃO OBRAS, posto que se caracterizam como criações primígenas (criadas por primeiro). Perante a mesma lei, são OBRAS INTELECUTAIS ORIGINÁRIAS, cada uma delas composta pela organização ou disposição de seus conteúdos que abrangem textos, fotografia(s) (que integram o conteúdo da imagem capturada, seus dados como local e data) e carta geográfica.  Seus autores, por consequência, são seus TITULARES ORIGINÁRIOS.

As fotografias de biodiversidade publicadas no iNaturalist em especial, não se resumem a uma imagem. É parte indissociável de cada uma destas fotografias, o conteúdo capturado na imagem e o seu conjunto organizado de dados que incluem, por exemplo, o local onde foi obtida, sua data e autor entre outros. Portanto, utilizar quaisquer dos conteúdos que fazem parte de uma fotografia, como características do ser nela capturadas ou seu local, é utilizar a fotografia.

O conjunto destas publicações de cada autor forma ainda sua base de dados na plataforma, denominada Life List (exemplo: https://www.inaturalist.org/lifelists/zamoner_maristela).

A mesma citada lei estabelece como direitos do autor:

Art. 24. São direitos morais do autor:

...

II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

...

IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

 

O fato de que as publicações de registros de biodiversidade no iNaturalist se encontram em acesso aberto, não é sinônimo de estarem em domínio público. Somente se estivessem em domínio público poderiam ser utilizadas por qualquer modalidade, modificadas, reproduzidas total ou parcialmente, sem o crédito ao nome de seu autor.

Desta forma fica esclarecido: UMA PUBLICAÇÃO DE REGISTRO DE BIODIVERSIDADE FEITA NO INATURALIST É UMA OBRA INTELECTUAL PROTEGIDA POR LEI QUE ABRANGE AUTORES BRASILEIROS, E SUA VIOLAÇÃO É TIPIFICADA PELO CÓDIGO PENAL.

 

Estabelece ainda o Art. 27 da mesma Lei Federal 9.610/98:

Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.

Existe o argumento recorrente em redes sociais, e outros meios, de que quando o autor da publicação do registro de biodiversidade no iNaturalist desconhece a identificação taxonômica do que registrou, perde direitos autorais para aquele que fez a identificação, deixando de ser necessário creditar a sua autoria no caso de utilização de conteúdos de sua publicação. Este argumento não tem qualquer respaldo legal. Cabe lembrar, de forma subsidiária, que as identificações pelos autores dos registros são severamente prejudicadas por estratégias de exclusão científica, a exemplo de artigos científicos com conteúdos necessários à atividade serem publicados de forma fechada, e/ou falta de democratização das coleções de animais coletados. De qualquer forma, as obras protegidas estão elencadas no Art. 7º da Lei Federal 9.610/98 e nenhuma delas se refere ao resultado da tarefa de identificar uma espécie da biodiversidade em um registro feito por terceiro.

Não existe previsão legal para que se proceda uma alienação de um registro de biodiversidade do autor original para outra pessoa que tenha feito sua identificação taxonômica. Há que se ressaltar o fato de que aquele que entende ter feito a identificação taxonômica, UTILIZOU PARA TAL o conteúdo capturado pela fotografia. Portanto, sem UTILIZAR a fotografia, esta informação sobre a identificação da espécie não tem como existir. Além de ser cientificamente recomendável apontar a origem da informação da identificação, o que se faz reconhecendo a autoria da fotografia UTILIZADA, a Lei Federal 9.610/98 é clara quanto a UTILIZAÇÃO de obra protegida:

Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

...

X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

Art. 79. O autor de obra fotográfica tem direito a reproduzi-la e colocá-la à venda, observadas as restrições à exposição, reprodução e venda de retratos, e sem prejuízo dos direitos de autor sobre a obra fotografada, se de artes plásticas protegidas.

§ 1º A fotografia, quando utilizada por terceiros, indicará de forma legível o nome do seu autor.

O portal iNaturalist tem conduta compatível com a legislação brasileira no que tange a esta questão.  A plataforma abre a participação em identificações de espécies de cada publicação a qualquer interessado. E independente de quantas pessoas, que não são o autor, venham a participar do processo de identificação, a autoria do registro não é alienada para nenhuma delas, em qualquer hipótese. A própria plataforma mantém a arbitragem sob o poder do autor da publicação do registro de biodiversidade. O autor original pode aceitar as propostas de identificação como colaborações, incorporando-as à publicação que permanece sob sua autoria, ou pode rejeitá-las, o que é compatível com o estabelecido pela Lei Federal 9.610/98:

Art. 35. Quando o autor, em virtude de revisão, tiver dado à obra versão definitiva, não poderão seus sucessores reproduzir versões anteriores.

Da mesma forma é importante entender que o uso de dados dos registros também merece cuidado para não violar direitos autorais. Os autores que publicam registros de biodiversidade no iNaturalist formam suas bases de dados na plataforma, constituídas por conjuntos organizados de dados, informações e mídias como imagens e/ou sons. Estas bases de dados podem ser consultadas de diversas maneiras, inclusive pela sua organização na forma de Life List. E as bases de dados também são expressamente protegidas pela Lei Federal 9.610/98:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

Art. 87. O titular do direito patrimonial sobre uma base de dados terá o direito exclusivo, a respeito da forma de expressão da estrutura da referida base, de autorizar ou proibir:

I - sua reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo;

II - sua tradução, adaptação, reordenação ou qualquer outra modificação;

III - a distribuição do original ou cópias da base de dados ou a sua comunicação ao público;

IV - a reprodução, distribuição ou comunicação ao público dos resultados das operações mencionadas no inciso II deste artigo.

 

Desta forma fica claro que a lei brasileira não permite utilização de fotografias da autoria de brasileiros, nem dos dados e informações que fazem parte dela, nem das bases de dados que as integram, sem a atribuição do crédito autoral, citação do nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor original. Qualquer modalidade de utilização destes conteúdos deve obrigatoriamente citar o nome do seu autor original.

Fica esclarecido assim, que a utilização de fotografias sem autorização expressa do autor e sem a citação do seu nome, pseudônimo ou sinal convencional, seja pela reprodução direta da imagem ou pela utilização de quaisquer dos seus conteúdos para produzir informações como identificação da espécie, constitui violação de direitos autorais, CRIME tipificado no Código Penal.

Esta ideia equivocada de que há alienação de direitos autorais do autor original para um identificador de espécie, talvez tenha origem na forma de utilização de coleções de animais coletados. Os coletores de animais não têm proteção de direitos autorais sobre o os animais que coletou e nem sobre seus dados. Portanto, há séculos os pesquisadores utilizam animais de coleções e seus dados, em publicações feitas sob sua autoria, sem a necessidade de citar coletores e nem identificadores, embora tais citações sejam pertinentes à boa ciência. Mas registros de biodiversidade publicados em uma plataforma como o iNaturalist, são juridicamente diferentes de animais coletados. Registros de biodiversidade publicados no iNaturalist por brasileiros são obras intelectuais protegidas por lei, portanto, qualquer modalidade pela qual se faça sua utilização, total ou parcial, exige a citação do nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor. O que não impede o autor de agradecer a quem colaborou na identificação da espécie por ele registrada.

 

 

INTERNACIONAL: PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS DAS PUBLICAÇÕES DE REGISTROS DE BIODIVERSIDADE NO INATURALIST

 

Internacionalmente esta natureza de obra também tem proteção, pelos sistemas Copyright e/ou Creative Commons. O próprio iNaturalist permite que o autor defina as licenças de uso válidas internacionalmente conforme seus interesses, instruindo quem fizer uso das suas publicações a indicar o nome do autor da publicação da observação (observador), citando-o também entre as referências bibliográficas no seguinte formato: “[Observer name]. [year of posting to iNaturalist]. iNaturalist observation: [url for observation]. Accessed on [date of access]” (https://www.inaturalist.org/pages/help#science1).

Instrui ainda a mesma plataforma, que para todas as publicações com configurações de copyright “No licence” (que não compartilham seus conteúdos com a plataforma do Global Biodiversity Information Facility), é obrigatória a indicação dos nomes de seus autores em qualquer circunstância de uso dos conteúdos da observação e da fotografia separadamente. Este é o caso de todas as publicações da Bióloga Maristela Zamoner nesta plataforma e de diversos outros autores que registram fauna em Curitiba.

 

A SOCIEDADE RECONHECE COMO AUTOR AQUELE QUE PUBLICA SEU REGISTRO DE BIODIVERSIDADE NO INATURALIST

Faz-se essencial frisar que é notória a importância científica de um primeiro registro de espécie em vida para uma cidade, seja realizado por um profissional ou não, e isso é amplamente respeitado, não somente por cientistas sérios, como pela sociedade em geral. As publicações feitas no iNaturalist não fogem desta realidade, a exemplo do que se demonstra na reportagem que segue (https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/terra-da-gente/noticia/2023/07/31/brasileiro-e-autor-do-unico-registro-da-borboleta-neruda-metis-em-plataforma-internacional-de-ciencia-cidada.ghtml). Esta reportagem mostra inequivocamente que a própria sociedade reconhece aquele que publica seu registro de biodiversidade no iNaturalist como seu legítimo AUTOR.


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