ESCLARECIMENTO
SOBRE A PROTEÇÃO LEGAL DAS PUBLICAÇÕES DE REGISTROS DE BIODIVERSIDADE FEITAS
POR BRASILEIROS NA PLATAFORMAM INATURALIST
Bióloga
Maristela Zamoner
31 de
agosto de 2023
Atualmente,
inaturalist.org, iniciativa da tradicional instituição científica
Academia de Ciências da Califórnia, é a maior plataforma mundial de
ciência cidadã para publicações de registros de observações de biodiversidade,
destacadamente em vida e nos seus ambientes. Cada uma das publicações de
registros de observações de biodiversidade ali feitas, é composta pelos
conteúdos que seguem:
1.
AUTOR(A):
SINAL CONVENCIONAL LINCADO OU NÃO AO NOME COMPLETO;
2.
DATA DA PUBLICAÇÃO;
3.
FOTOGRAFIA(S)
do autor obtida(s) por ele em atividade de campo, testemunho visual da presença
da espécie de biodiversidade, da qual fazem parte indissociavelmente
seus dados (metadados) que abrangem o local e a data (podem incluir
arquivos de sons e vídeos, mas no caso em tela abrangem fotografias);
4.
CARTA GEOGRÁFICA (MAPA)
com marcação do local do registro da observação, gerada pelos dados produzidos
em campo por seu autor;
5.
IDENTIFICAÇÃO TAXONÔMICA
do espécime registrado, proposta pelo autor com ou sem aceite de revisão e
aprimoramento dos pares via plataforma (Táxon comunitário). Inclui área de
atividade da comunidade, local destinado à participação de qualquer
interessado na CURADORIA aberta, por meio das discussões sobre as
identificações da espécie. Este campo é arbitrado pelo autor que tem
ferramental para aceitar ou rejeitar participações da comunidade na sua
publicação, assegurando a autonomia sobre a curadoria do seu acervo e de sua
base de dados;
6.
TEXTOS
abrangendo os conteúdos produzidos pelo autor, incluindo; dados de
georreferenciamento (coordenadas geográficas numéricas, grau de precisão em
metros, nome do local quando há, município, estado e país); locais do entorno;
data e horário da realização do registro da observação; tipo de equipamento
utilizado pelo autor para realizar o registro da observação; reconhecimento
como vida selvagem ou não; notas, marcações, campos de observação e anotações
quando necessário (estágio de vida, sexo etc.), projetos para os quais a
inclusão da publicação é autorizada pelo autor e, entre outros, título original
e inconfundível que a plataforma de publicação, inaturalist.org, orienta que
seja a URL;
7.
LICENÇA DE USO (COPYRIGHT ou
CREATIVE COMMONS) DA FOTOGRAFIA, definida pelo autor, titular originário;
8.
LICENÇA DE USO (COPYRIGHT ou
CREATIVE COMMONS) dos demais conteúdos da publicação do registro da
observação, definida pelo autor, titular originário.
Exemplo: https://www.inaturalist.org/observations/18393601
NO BRASIL: PROTEÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS DOS AUTORES BRASILEIROS
DAS PUBLICAÇÕES DE REGISTROS DE BIODIVERSIDADE NO INATURALIST
Lembramos
inicialmente que a violação dos direitos autorais e os que lhes são conexos no
Brasil, estabelecidos pela Lei Federal no. 9.610/98, está tipificada
no Código Penal:
TÍTULO III DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL
CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A
PROPRIEDADE INTELECTUAL
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são
conexos:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa
No Brasil os direitos
autorais foram estabelecidos a partir da convenção de Berna da qual nosso país
é signatário, sendo abarcados pela Lei Federal no.
9.610/98, que abrange brasileiros. Esta lei define o que é uma obra intelectual
estabelecendo suas formas de proteção:
Art. 5º Para os efeitos
desta Lei, considera-se:
VIII
- obra:
f)
originária - a criação primígena;
...
XIV
- titular originário - o autor de obra intelectual, o intérprete, o
executante, o produtor fonográfico e as empresas de radiodifusão.
...
Art.
7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas
por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido
ou que se invente no futuro, tais como:
I
- os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
...
VII
- as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao
da fotografia;
...
IX
- as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
...
XIII
- as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases
de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou
disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
Portanto,
resta claro que as publicações de registros de observações de espécies no
iNaturalist, perante a legislação que abrange brasileiros, SÃO OBRAS, posto
que se caracterizam como criações primígenas (criadas por primeiro).
Perante a mesma lei, são OBRAS INTELECUTAIS ORIGINÁRIAS, cada uma delas
composta pela organização ou disposição de seus conteúdos que abrangem
textos, fotografia(s) (que integram o conteúdo da imagem capturada, seus dados
como local e data) e carta geográfica.
Seus autores, por consequência, são seus TITULARES ORIGINÁRIOS.
As fotografias de biodiversidade
publicadas no iNaturalist em especial, não se resumem a uma imagem. É parte
indissociável de cada uma destas fotografias, o conteúdo capturado na imagem e
o seu conjunto organizado de dados que incluem, por exemplo, o local onde foi
obtida, sua data e autor entre outros. Portanto, utilizar quaisquer dos
conteúdos que fazem parte de uma fotografia, como características do ser nela capturadas
ou seu local, é utilizar a fotografia.
O
conjunto destas publicações de cada autor forma ainda sua base de dados
na plataforma, denominada Life List (exemplo: https://www.inaturalist.org/lifelists/zamoner_maristela).
A mesma citada lei estabelece
como direitos do autor:
Art. 24. São direitos morais do
autor:
II - o de
ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como
sendo o do autor, na utilização de sua obra;
IV - o de assegurar
a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática
de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor,
em sua reputação ou honra;
V - o de
modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
O
fato de que as publicações de registros de biodiversidade no iNaturalist se
encontram em acesso aberto, não é sinônimo de estarem em domínio público.
Somente se estivessem em domínio público poderiam ser utilizadas por qualquer
modalidade, modificadas, reproduzidas total ou parcialmente, sem o crédito ao
nome de seu autor.
Desta
forma fica esclarecido: UMA PUBLICAÇÃO DE REGISTRO DE BIODIVERSIDADE FEITA
NO INATURALIST É UMA OBRA INTELECTUAL PROTEGIDA POR LEI QUE ABRANGE AUTORES
BRASILEIROS, E SUA VIOLAÇÃO É TIPIFICADA PELO CÓDIGO PENAL.
Estabelece
ainda o Art. 27 da mesma Lei Federal 9.610/98:
Art.
27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.
Existe
o argumento recorrente em redes sociais, e outros meios, de que quando o
autor da publicação do registro de biodiversidade no iNaturalist desconhece a
identificação taxonômica do que registrou, perde direitos autorais para aquele
que fez a identificação, deixando de ser necessário creditar a sua
autoria no caso de utilização de conteúdos de sua publicação. Este
argumento não tem qualquer respaldo legal. Cabe lembrar, de forma
subsidiária, que as identificações pelos autores dos registros são severamente prejudicadas
por estratégias de exclusão científica, a exemplo de artigos científicos com
conteúdos necessários à atividade serem publicados de forma fechada, e/ou falta
de democratização das coleções de animais coletados. De qualquer forma, as
obras protegidas estão elencadas no Art. 7º da Lei Federal 9.610/98 e nenhuma
delas se refere ao resultado da tarefa de identificar uma espécie da
biodiversidade em um registro feito por terceiro.
Não
existe previsão legal para que se proceda uma alienação de um registro de
biodiversidade do autor original para outra pessoa que tenha feito sua
identificação taxonômica. Há que se ressaltar o fato de que aquele que entende
ter feito a identificação taxonômica, UTILIZOU PARA TAL o
conteúdo capturado pela fotografia. Portanto, sem UTILIZAR a
fotografia, esta informação sobre a identificação da espécie não tem como existir.
Além de ser cientificamente recomendável apontar a origem da informação da
identificação, o que se faz reconhecendo a autoria da fotografia UTILIZADA,
a Lei Federal 9.610/98 é clara quanto a UTILIZAÇÃO de obra
protegida:
Art.
28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor
da obra literária, artística ou científica.
Art.
29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra,
por quaisquer modalidades, tais como:
...
X
- quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser
inventadas.
Art.
79. O autor de obra fotográfica tem direito a reproduzi-la e colocá-la à venda,
observadas as restrições à exposição, reprodução e venda de retratos, e sem
prejuízo dos direitos de autor sobre a obra fotografada, se de artes plásticas
protegidas.
§
1º A fotografia, quando utilizada por terceiros, indicará de forma legível o
nome do seu autor.
Art.
35. Quando o autor, em virtude de revisão, tiver dado à obra versão
definitiva, não poderão seus sucessores reproduzir versões anteriores.
Da
mesma forma é importante entender que o uso de dados dos registros também
merece cuidado para não violar direitos autorais. Os autores que publicam
registros de biodiversidade no iNaturalist formam suas bases de dados na
plataforma, constituídas por conjuntos organizados de dados, informações e
mídias como imagens e/ou sons. Estas bases de dados podem ser consultadas de
diversas maneiras, inclusive pela sua organização na forma de Life List.
E as bases de dados também são expressamente protegidas pela Lei Federal
9.610/98:
Art.
7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas
por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,
conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
XIII
- as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases
de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu
conteúdo, constituam uma criação intelectual.
Art.
87. O titular do direito patrimonial sobre uma base de dados terá o direito
exclusivo, a respeito da forma de expressão da estrutura da referida base, de
autorizar ou proibir:
I
- sua reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo;
II
- sua tradução, adaptação, reordenação ou qualquer outra modificação;
III
- a distribuição do original ou cópias da base de dados ou a sua comunicação
ao público;
IV
- a reprodução, distribuição ou comunicação ao público dos resultados das
operações mencionadas no inciso II deste artigo.
Desta
forma fica claro que a lei brasileira não permite utilização de fotografias da
autoria de brasileiros, nem dos dados e informações que fazem parte dela, nem
das bases de dados que as integram, sem a atribuição do crédito autoral,
citação do nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor original.
Qualquer modalidade de utilização destes conteúdos deve obrigatoriamente citar
o nome do seu autor original.
Fica
esclarecido assim, que a utilização de fotografias sem autorização expressa do
autor e sem a citação do seu nome, pseudônimo ou sinal convencional, seja pela
reprodução direta da imagem ou pela utilização de quaisquer dos seus conteúdos
para produzir informações como identificação da espécie, constitui violação de
direitos autorais, CRIME tipificado no Código Penal.
Esta
ideia equivocada de que há alienação de direitos autorais do autor original
para um identificador de espécie, talvez tenha origem na forma de utilização de
coleções de animais coletados. Os coletores de animais não têm proteção de
direitos autorais sobre o os animais que coletou e nem sobre seus dados.
Portanto, há séculos os pesquisadores utilizam animais de coleções e seus
dados, em publicações feitas sob sua autoria, sem a necessidade de citar
coletores e nem identificadores, embora tais citações sejam pertinentes à boa
ciência. Mas registros de biodiversidade publicados em uma plataforma como o
iNaturalist, são juridicamente diferentes de animais coletados. Registros de
biodiversidade publicados no iNaturalist por brasileiros são obras intelectuais
protegidas por lei, portanto, qualquer modalidade pela qual se faça sua
utilização, total ou parcial, exige a citação do nome, pseudônimo ou sinal
convencional do autor. O que não impede o autor de agradecer a quem colaborou na
identificação da espécie por ele registrada.
INTERNACIONAL: PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS DAS
PUBLICAÇÕES DE REGISTROS DE BIODIVERSIDADE NO INATURALIST
Internacionalmente
esta natureza de obra também tem proteção, pelos sistemas Copyright e/ou
Creative Commons. O próprio iNaturalist permite que o
autor defina as licenças de uso válidas internacionalmente conforme seus
interesses, instruindo quem fizer uso das suas publicações a indicar o nome do
autor da publicação da observação (observador), citando-o também entre as
referências bibliográficas no seguinte formato: “[Observer name]. [year of posting to iNaturalist]. iNaturalist
observation: [url for observation]. Accessed on [date of access]” (https://www.inaturalist.org/pages/help#science1).
Instrui
ainda a mesma plataforma, que para todas as publicações com configurações de copyright
“No licence” (que não compartilham seus conteúdos com a plataforma do Global
Biodiversity Information Facility), é obrigatória a indicação dos nomes
de seus autores em qualquer circunstância de uso dos conteúdos da observação e
da fotografia separadamente. Este é o caso de todas as
publicações da Bióloga Maristela Zamoner nesta plataforma e de diversos outros
autores que registram fauna em Curitiba.
A SOCIEDADE RECONHECE COMO AUTOR AQUELE QUE PUBLICA
SEU REGISTRO DE BIODIVERSIDADE NO INATURALIST
Faz-se essencial frisar que é
notória a importância científica de um primeiro registro de espécie em vida
para uma cidade, seja realizado por um profissional ou não, e isso é
amplamente respeitado, não somente por cientistas sérios, como pela sociedade
em geral. As publicações feitas no iNaturalist não fogem desta realidade, a
exemplo do que se demonstra na reportagem que segue (https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/terra-da-gente/noticia/2023/07/31/brasileiro-e-autor-do-unico-registro-da-borboleta-neruda-metis-em-plataforma-internacional-de-ciencia-cidada.ghtml). Esta reportagem mostra inequivocamente
que a própria sociedade reconhece aquele que publica seu registro de
biodiversidade no iNaturalist como seu legítimo AUTOR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário